segunda-feira, 31 de março de 2014

Não mereço ser estuprada, ninguém merece!

Quando é que as pessoas vão realmente entender que o estupro, a violência contra crianças, mulheres, vem do machismo, do patriarcado?

Sério isso, não são os pancada, não são deficientes mentais nem psicopatas que promovem a violência! A ideia de que mulheres são objetos de prazer que legitimam o ato!

Quando eu era criança, tinha 6 pra 7 anos, dois adolescentes, filhos da vizinha, estavam na minha casa, na minha sala, colocaram o pênis pra fora e me forçaram a felação. Eu inocente não sabia nem o que tava fazendo, eles riam, eles estavam felizes. Quem desconfiaria não é? Afinal eles me viram nascer, sempre conviveram comigo, que mal fariam? Depois de ADULTA fui entender o fato.

Aos 13 anos, indo pra escola no ônibus, o pai de uma amiga no mesmo ônibus, lotado, na desculpa de ficarmos juntos, ficou se esfregando e resfoleando, eu não tendo como sair da posição, até sentir minhas nádegas úmidas. E ainda tive de descer no mesmo ponto do velho tarado. Passei a fazer hora na escola com medo de pegar o mesmo ônibus de novo. Nunca contei aos meus pais. A ninguém.

Aos 14 anos, fui cumprimentar e desejar feliz aniversário para um amigo que cheguei a ficar, esses namoricos adolescentes, rapaz estava completando 18 anos e que estava com casamento marcado com outra moça, acabei entrando no carro dele para conversar, ele quis mostrar o apartamento onde iria morar. E lá, com uma arma apontada pra minha cabeça, ele me violentou. E me fez jurar que nunca falaria disso pra ninguém, até porque, quem acreditaria não? Eu entrei no carro dele, eu fui até o apartamento... Eu era a puta, a vadia que foi pra cama com homem compromissado... Como já tinha ficado com ele, queria acabar com o casamento e blablabla... Fora que tive de ouvir dele que eu não era virgem afinal não tinha sinal de sangue no lençol!

E claro que por muito tempo achei que a culpa foi minha mesmo. Mulher direita não entra em carro com outro homem. Mulher direita tem de se vestir recatadamente. Ainda mais eu, gorda, baixinha, cara de nerd. Maquiagem, coisa de puta. Sempre tava vestida de calça jeans preta e camisetas G de cores escuras. E tênis ou sapatos masculinos. Por não me sentir digna de me mostrar como mulher. Homens são fortes. Homens não são estuprados. Homens são respeitados. Homens são ouvidos. O máximo de feminino que tinha, eram as unhas cumpridas.

Tinha medo de ter contato mais íntimos com os rapazes. Relações todas superficiais, porque um namoro "obriga" a maiores intimidades, só ir ficando nos beijos era melhor, e quando havia a tentativa mais ousada o fato de eu repelir era indicativo de que "me dava o valor", mas na verdade era o pavor... Não acredito que até hoje tenha superado totalmente esses traumas.

Compreender que a culpa não foi minha, em nenhuma das vezes, esconder a dor aqui dentro, a impotência contra essa situação, saber que meus filhos estão expostos a essa mesma violência, e que pessoas perpetuam esse pensamento que leva a tamanha agressão, deprime. Só que calar é alimentar e perpetuar isso. E é necessário combater, mudar essa realidade. Mudar a ideia de que somos objetos.