quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Questões de parto e feminismo

Lendo um texto sobre violência obstétrica postado no Blogueiras Feministas, uma das respostas me chamou demais minha atenção por concordar plenamente com ela e aqui reproduzo. E ai, o que você pensa sobre isso?




De: Renata Correa

O que chama muita atenção e causa espanto que quando o assunto é o parto a porta para o diálogo é sempre fechada com alegações de que sim, a cesárea pode ser uma escolha. Eu também acho que a cesárea pode ser uma escolha legítima e não só uma cirurgia de emergência, mas definitivamente me causa espanto que essa seja a alegação e a bandeira TODA vez que abordamos o assunto, pois ele é muito mais complexo do que isso. Envolve um machismo extremamente virulento, envolve desiguladade de classe e racial, envolve conhecimento técnico, a situação da prática e da remuneração médica no brasil como um todo.
Mas eu gostaria de me ater a dois aspectos:
O primeiro é: militantes pelo parto humanizado não estão discutindo a cesárea individual, e sim a cesárea como epidemia.
A cesárea individualmente é sua cesárea, é a cesárea da vizinha ou da sua mãe. Quando temos 85% de cesareanas na rede privada e cerca de 50% de cesareanas na rede pública é DADO de saúde. E o que esses dados dizem?
Em primeiro lugar que não existe respeito pelo desejo da mulher pela via de parto. Segundo pesquisas, a maioria das mulheres sabe leigamente sobre os riscos da cirurgia, e gostaria de “tentar um parto normal”. Mas a maioria acaba sendo submetida a uma cesárea, geralmente sem respaldo médico ou em evidências científicas.
A prática médica e a realidade do atendimento obstétrico não estão descolados da realidade da sociedade: desigual, patriarcal, capitalista e machista.
Ela é desigual quando sabemos que quanto mais jovem e negra, mais a possibilidade de uma mulher sofrer violência obstétrica. Ou quando um médico diz que até faria parto normal, mas a paciente é tão “branquinha” e isso é mais fácil para índias e negras. (Eu ouvi isso)
É patriarcal quando o médico se acha no direito de mentir a respeito das causas que o levaram a indicar a cirurgia. Quando o médico passa por cima da lei do acompanhante, não permitindo a entrada de doula ou do marido no centro obstétrico pois “vai atrapalhar e para ter seu filho vc só precisa do médico”.
É capitalista quando as cesáreas são agendadas por uma questão comercial do estabelecimento (hospital), que também vende serviços conexos que dependem do agendamento e horários pré estabelecidos – como fotógrafo, buffet com garçom, maquiador, “cine parto”, etc.
É machista quando práticas médico-farmacológicas ultrapassadas como a episiotomia de rotina, mutilam o corpo da mulher, causando danos irreversíveis.
E esses são só alguns exemplos.
O segundo aspecto é mais “filosófico”.
Vivemos uma cultura onde o corpo da mulher é tratado como corpo patológico e tudo que vem dele é patologizante, principalmente se estamos falando da vagina.
Apenas por termos nascido mulheres estamos erradas e necessitamos de todo tipo de intervenção para enquadrar o nosso corpo no padrão normatizante – precisamos nos depilar, pois pelos são sujos, suspender a menstruação indiscriminadamente por ser incomoda (falo indiscriminadamente pois existem casos onde sim, é necessário ou desejável suspendê-la.) precisamos usar absorventes neutralizadores de odor pois a vagina “fede”.
Quando falamos em gravidez e parto nem se fala: grávidas são bombas relógio que NECESSITAM de intervenções ou irão morrer. Com variações é esse o discurso médico vigente.
A maioria dos médicos que engana as pacientes com falsas indicações de cesárea usa o discurso cruel de não funcionamento do corpo da mulher (você não dilata, você é estreita, suas contrações são irregulares) ou o discurso do terror que usa o desconhecimento técnico da mulher para submetê-la (seu bebê está em “sofrimento” quando a patologia “sofrimento fetal” é rara e de diagnóstico multidisciplinar e dificílimo).
Quando uma mulher reproduz o discurso de “não tenho estrutura emocional para ter um parto normal”, ou “tenho medo da dor” ela está reproduzindo o discurso machista do não funcionamento do corpo dela. Pode ter escolhido agendar a cesárea por esses motivos, e terá sido uma escolha legítima, mas ainda assim será SINTOMA de como a sociedade trata o nosso corpo feminino – fraco, incapaz, defeituoso.
Quando uma mulher diz que “prefere confiar no médico” que quer lhe aplicar uma cesárea a despeito de evidências científicas ou de sua vontade, também é uma escolha legítima – mas ainda assim ela está reproduzindo uma relação patriarcal onde a vontade, a disponibilidade, o desejo e a agenda do médico estão acima de sua saúde, da saúde do seu bebê e acima de suas necessidades fisiológicas e emocionais como parturiente.
Então eu realmente gostaria que quando começassemos a discutir o assunto parto num ambiente feminista, a gente PARASSE de falar do próprio parto, de se justificar, de dizer que comigo foi assim e assado e que acha que cesárea é uma super escolha no brasil quando na verdade temos uma conjuntura de extrema opressão.
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Só dois palitos:
Muita gente confunde parto humanizado com parto natural – um parto humanizado é um parto onde a equipe respeita as decisões da mulher a respeito do parto e segue as evidências médico científicas a respeito do parto e dos cuidados com o neonato. Já o parto natural é o parto feito sem nenhuma intervenção – soro com hormônio sintético, anestesia ou episiotomia. Um parto natural pode ser humanizado e vive versa, mas não são a mesma coisa. Um parto humanizado pode ter anestesia, por exemplo, se for desejo da mulher.

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